2018-07-30

2019 – SINOPSE - ACADÊMICOS DO SOSSEGO


“Minha crença não é melhor que a sua.
Seu Deus não é melhor que o meu, não apela!
Navegamos no mesmo barco, moramos todos na mesma Terra
e todos vamos para debaixo dela.

Você sabia que tem santo milagreiro que não se encaixa em seu nobre pensar?
Jesus Malverde, que dos ricos roubou para os pobres alimentar.

No México ele viveu, e roubou sim, qual o problema? É duro de aceitar?
Pois acredite que para o povo simples é dele o maior altar.
Todos os anos em romaria, milhares procuram aquele que chamam de santo mais forte, e o elevam ao status da Santa Morte.
Foi Jesus Malverde que fez minha escola pensar no quanto é grande a hipocrisia
daqueles que dizem quem pode ou não pode ser santo, e para quem devemos rezar
mas que se esquecem de que julgar é pecar.

Não se meta com minha fé
acredito em quem quiser

Se sou de Oxalá ou de Javé, o importante é o que minha obra faz.
Se procuro a guerra ou se busco a paz.

Posso ser fiel puro de Alá
Ou misturar todas as crenças em um budalorixá

Pouco importa se jogo carta ou rezo na Cabala.
Se sou cardecista, judeu, evangélico ou macumbeiro.
Não é por isso que vais me acusar de trambiqueiro e
muito menos destruir o meu terreiro.
Intolerância é crime, companheiro.

Não se meta com minha fé
acredito em quem quiser

Fé não é ciência.
Não se encaixa em sua razão.
É coisa do coração
e o coração sempre vai mais longe, não se prende.
Então respeite o que você não entende.

Não se meta com minha fé
acredito em quem quiser

Os caminhos da vida, quem sabe, quem tem noção?
Se sua meta é o Nirvana
Aceite quem procura outra forma de evolução.

Há tantos outros santos que foram gente como a gente
nos choros, mágoas e rancores
que achavam que jamais achariam a luz.

Só que Cristo perdoou um ladrão pregado no alto da cruz.
E se podemos ser abençoados na véspera da derradeira sorte
quem pode dizer que não podemos ser milagreiros após a morte?

Não se meta com minha fé
acredito em quem quiser

Guerra religiosa é a maior contradição da Humanidade.
É matar em nome de Deus para pôr fim à liberdade.
Milhões já morreram por motivo tão torpe e desastroso
e levaram muita gente boa a achar religião algo horroroso.

Não se meta com a minha fé
acredito em quem quiser

Vem com a nossa escola
não importa se você é crente ou ateu.
Importa que tem o sangue da mesma cor que o meu.
Se errou, não importa mais.
O perdão nos refaz iguais.
E perdão não é coisa de religião.
É nosso grande impulso de união se seguirmos juntos combatendo a maldade.
Se existe ou não o paraíso, encontraremos a felicidade
nessa vida ou após ela.
Para nós ou para quem vier depois dela.

No exemplo de Jesus Malverde, a partir de agora vou cantar.
Não interessa o que você tenha feito…
Vamos nos amar!

Texto e pesquisa : Leandro Valente

2018-07-02

2019 – SINOPSE - GRES ACADÊMICOS DO CUBANGO


2019 – SINOPSE - GRES ACADÊMICOS DO CUBANGO
CARNAVAL 2019

CARNAVALESCOS: GABRIEL HADDAD E LEONARDO BORA
“IGBÁ CUBANGO — A ALMA DAS COISAS E A ARTE DOS MILAGRES”
              Objetos de poder, objetos de devoção, objetos-dádivas, objetos que possuem alma e contam histórias, objetos de pedir e pagar, objetos que traduzem graças, objetos encantados, objetos-amuletos, objetos-relíquias, objetos que operam milagres – e que mentem milagres também. O GRES Acadêmicos do Cubango pede a proteção de Babalotim, o “ídolo menino” que completa 40 anos, e agradece a São Lázaro, o padroeiro, pelo sonho vivido no último cortejo. Romeiro, cada sambista carrega consigo as suas obrigações. O que pretendemos contar são causos da religiosidade popular brasileira a partir da relação de cada sujeito com os seus objetos de culto. Somos devotos dos tambores ancestrais: rum, rumpi e lé. O desfile é o nosso ex-voto, o samba é a nossa graça. Porém é preciso cuidado com as promessas dos falsos profetas – novíssimos Reis da Vela com as suas coroas de lata, votos que perpetuam o medo e o preconceito.
              Sambemos!
              Carrego de Exu eu não quero carregar. Mas amuleto, o que é que há?
              - Ko si ọba kan, ofi, Ọlọrun.


SINOPSE DO ENREDO 

1 – Igbá Cubango
Na festa de Domurixá
em homenagem a Oxum
Deusa da nação Ijexá
onde a figura principal
era o boneco Babalotim
mensageiro da alegria, da força do axé
um ídolo menino, levado por menino em sua fé
e assim teve origem o Afoxé

Heraldo Faria e João Belém – Afoxé
​Igbá Cubango! Guardamos nessas cabaças as memórias antepassadas. Fundamentos. Levamos para a Avenida o peji das nossas vitórias: evocamos o dom de Afoxé, o samba que se fez milagre. Assentamos, aqui, nossa história. Da palha fazemos um trono. O ídolo-menino de outrora é revivido na Passarela: que todo componente da escola a ele dirija um pedido. Valei-nos, Babalotim! Oxum traz os seus axés: pedras do fundo do rio, pentes de tartaruga. Otás. São Lázaro se transforma: Obaluaê, Omolu, Xapanã, na porta da nossa quadra, no Morro do Abacaxi. Saúda e protege os sambistas, que a ele oferecem presentes. Giram laguidibás, giram saias, giram guias. Chifres de búfalos, asas de besouros. Mães-baianas, turbantes e panos da costa, cobrem o chão de pipocas. As mãos nos atabaques, os pés na terra. Os corpos-terreiros fervem e alguém, enfim, anuncia: agarrem as suas figas para mais uma sagração!

2 – De pedir proteção

Laguidibá
não é simples ornamento
é colar de fundamento
você tem que respeitar
(…)
Laguidibá
é adereço muito certo
é coisa de santo velho
do Antigo Daomé

Nei Lopes – Laguidibá
​Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará. O barroco tropical brasileiro reuniu em um mesmo oratório as relíquias dos santos de lá às penas caboclas de cá. Nos balangandãs de prata, romãs e muiraquitãs. Medalhas. Uma figa, uma rosácea, um coração, um crucifixo. Búzios, firmas, fitas, fios de conta. Dentes de animais encastoados. Pulseiras, colares, cocares. Calungas. Me banhei com guiné, alfazema e dandá. Defumei com quarô, benjoim. Patuás. Ourivesaria sagrada, jóias de mandingueiras. Quase tudo se faz amuleto, pedir proteção é de praxe – “basta encontrar na rua um fetiche qualquer, pedra, pedaço de ferro ou concha do mar”, escreveu João do Rio, nas quebradas. O seguro morreu de velho e é preciso se precaver: fechar o corpo, tomar a sorte, ganhar coragem, fazer os nós. Nos sacrários das sacristias, nos segredos dos Candomblés. Ebós. Arriar comidas nos entroncamentos. Carrancas pra navegar, máscaras nos bailados. Terços e escapulários – e um pouquinho de pó de pemba.

3 – De pagar promessas
No alto do morro chega a procissão.
Um leproso de opa empunha o estandarte.
As coxas das romeiras brincam no vento.
Os homens cantam, cantam sem parar.
(…)
No adro da igreja há pinga, café,
imagens, fenômenos, baralhos, cigarros
e um sol imenso que lambuza de ouro
o pó das feridas e o pó das muletas.

Carlos Drummond de Andrade – Romaria
Pedido feito, graça recebida – então é preciso pagar. Caminhar, seguir romaria. Carregar uma cruz tão pesada, o drama de Zé-do-Burro. Nas mãos calejadas da lida, cem mil corações em brasa. Ex-votos do Brasil inteiro desenham um mapa de pernas. O catolicismo popular expressa as andanças da nossa gente: Bonfim, Nazaré, Matosinhos, Bom Jesus, Pai Eterno, Canindé, Monte Santo, Juazeiro, e lá se vai a multidão cantando. Que ex-voto levo à Aparecida, se não tenho doença e só lhe peço a cura? – questionou Adélia Prado. São Judas Tadeu – Niterói. A Candelária, a Penha, a Penna. Nos “museus das promessas ou dos milagres”, como o descrito por Jorge Amado, vê-se a sobreposição de dádivas: barro, cera, madeira, papel. São partes do corpo, são pinturas, são retratos e miniaturas (de casas, de bichos, de barcos, de gratidão). Cartas, bilhetes, roupas, diplomas. Vitalino esculpiu ex-votos, Mestre Fida é uma referência. Artistas contemporâneos revisitam o imaginário – mesmo o Bispo do Rosário, que tanta alegria nos deu, a quem novamente rogamos: olhai por nós, nobre peregrino! Cada rosto esculpido foi dor alentada. (…) Deixa a dor nas aras, como ex-voto aos deuses – e segue o teu destino!

4 – Da (falsa) promessa que é dívida
HELOÍSA – Ficaste o Rei da Vela!
ABELARDO I – Com muita honra! O Rei da Vela miserável
dos agonizantes. O Rei da Vela de sebo. E da vela feudal que nos fez
adormecer em criança pensando nas histórias das negras velhas…
Da vela pequeno-burguesa dos oratórios e das escritas em casa… (…)
Num país medieval como o nosso, quem se atreve a passar
os umbrais da eternidade sem uma vela na mão?
Herdo um tostão de cada morto nacional!

Oswald de Andrade – O Rei da Vela
​Mas há os falsos profetas e as falsas promessas à venda. Objetos de todo tipo, no shopping-cassino da unção. É água de benzer camisa, é caneta de assinar contrato, é tijolo para erguer a casa, é vassoura de varrer o diabo. Travesseiros para sonhos bons, redes de pescar vitórias. E velas aos borbotões! Não é outro que não a vela o mais famoso objeto votivo: de pedir, pagar, prometer. Abelardo I, o Rei da Vela, lucrou e fez fortuna explorando a miséria alheia. A crítica de Oswald de Andrade, Antropofagia e Tropicália, permanece ferida aberta no peito do Brasil atual. São promessas que viram cifras e moedas que se avolumam: qual é o preço a se pagar por um lugar confortável no céu? E que céu tão nublado é este, que mais exclui do que celebra a diferença? Dívidas que se pagam a preços exorbitantes – inclusive um outro tipo de voto, nem devoto nem ex-voto: o voto depositado nas urnas eleitorais.
​Que as velas acendam pedidos de dias mais iluminados. Afinal, já dizia o poeta: há sempre uma promessa de alegria…
​Amém, Axé, Evoé, Saravá!
​-Glória pro fio de Exu!


Carnavalescos – Gabriel Haddad e Leonardo Bora
Autores e pesquisa do enredo – Gabriel Haddad, Leonardo Bora e Vinícius Natal
Nascido de uma confluência de sonhos, sequências de sincronicidades.
Agradecimentos especiais a Thiago Hoshino e Fred Góes.